De Fernando Pessoa, o título por si só já causa um incômodo e sim, o livro provoca desassossego. Gosto de livros assim, que nos inquietam, fazem pensar, ora concordando, ora discordando.
Iniciei a leitura devagar e desde então permaneceu em minha mesa de cabeceira. Alguns dias lia um pouco mais, outros apenas um parágrafo, precisando interromper e digerir, saber se entendi e compreender como me afetava.
Acho interessante como os livros tem o poder de conversar conosco. Nesse especificamente, em alguns momentos sentia que o que estava escrito parecia ter saído diretamente do meu pensamento, de tão parecido com o que eu costumo pensar e dizer. Em outros momentos, era tão distante que me transportava para um outro mundo, trabalhava com minha imaginação… como é gostoso leituras que proporcionam isso.
Por diversos momentos provocava um desconforto e até um nó na garganta. E como isso pode ser terapêutico, porque nos faz refletir e entrar em contato com questões que por algum motivo estão guardadas numa “gaveta” dentro de nós e que nem sempre acessamos.
Deixo aqui um pequeno trecho para exemplificar essa deliciosa leitura (p.51, trecho 63):
“Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco da consciência, nunca certo com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos. Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espetáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário. Todo o mundo é confuso, como vozes na noite.
… Que é isto, e para que é isso? Quem sou quando sinto? Que coisa morro quando sou?
Como alguém que, de muito alto, tente distinguir as vidas do vale, eu assim mesmo me contemplo de um cimo, e sou, com tudo uma paisagem indistinta e confusa.
… Sou como alguém que procura ao acaso, não sabendo onde foi oculto o objeto que lhe não disseram o que é. Jogamos às escondidas com ninguém.
… Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual…”
Excelente leitura!